Muito se falou sobre o fim da chamada guerra dos portos, quando, após o julgamento do Tema 520, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu o destinatário legal nas diferentes modalidades de importação para efeitos de sujeição ativa do ICMS.
Na importação direta, o imposto é devido ao estado de domicílio do importador. Na importação por conta e ordem, na qual uma trading company é contratada para realizar o despacho aduaneiro em nome daquele que adquiriu o produto diretamente do exterior, o ICMS é devido ao estado de domicílio do adquirente. Por fim, na importação por encomenda, na qual a trading company adquire o produto do exterior, o importa e revende para o encomendante predeterminado, o ICMS é devido ao estado de domicílio do importador.
Todavia, o que se esperava ser o fim da guerra, desdobrou-se em autuações por parte dos estados com vistas a descaracterizar as importações por encomenda, de modo a reclassificá-las como importações por conta e ordem e, assim, atrair a sujeição ativa do ICMS-Importação e justificar a cobrança do imposto pelo estado de domicílio do encomendante, e não da trading company.
Contudo, um novo tempero foi adicionado à “guerra dos portos 2.0”: no julgamento da ADC 49, o STF confirmou a não incidência do ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte.
Em conjunto à tese fixada no Tema 520, o entendimento firmado na ADC 49 possibilita que os contribuintes otimizem suas operações para que o desembaraço das mercadorias importadas ocorra por meio de estabelecimento em um determinado estado com a subsequente transferência para outro estabelecimento da mesma empresa localizado em outra Unidade Federativa, onde o bem será utilizado ou comercializado.
Mesmo antes da ADC 49, alguns estados já consideravam ser competentes para exigir o ICMS nesse tipo de operação, como Minas Gerais (art. 33, item 1, alínea “i.1.2” da Lei Estadual 6.763/75). Contudo, o primeiro estado a mudar a legislação após o julgamento da ADC 49 foi o Rio de Janeiro, por meio do Decreto 49.030/24, que entrará em vigor no dia 1º de junho de 2024.
O Decreto fluminense prevê, em seu art. 2º, §1º que nas importações por encomenda realizadas por importadores (trading companies) localizados no estado, o imposto será devido ao Rio de Janeiro, em consonância com o Tema 520. Já o §1º do referido artigo dispõe que, quando o importador estiver em outro estado e o encomendante no Rio de Janeiro, o ICMS será devido ao Rio de Janeiro em casos de fraude ou simulação.
No entanto, o grande ponto de atenção está na disposição dasoperações de importação por conta própria ou por conta e ordem realizadas por “estabelecimento de mesma raiz de CNPJ” – matriz ou filial – em outros estados, com posterior destinação a estabelecimento localizado no estado do Rio de Janeiro (art. 2º, inciso III). De acordo com o Decreto, ainda que a importação seja realizada por matriz/filial localizada em outro estado, se o destino da mercadoria for estabelecimento do mesmo contribuinte no Rio de Janeiro, o ICMS-Importação será devido para esse, contrariando as disposições do Tema 520.
Além disso, a pretexto de esclarecer o alcance do termo “destinada”, o §2º destaca que o estabelecimento fluminense será considerado como destinatário jurídico da operação de importação quando a mercadoria importada for por ele estocada, revendida e/ou utilizada.
Na prática, o Decreto 49.030/24 pressupõe que a importação seguida de transferência entre estabelecimentos de uma mesma empresa em estados distintos é uma simulação para evitar o recolhimento do ICMS-Importação. Com isso, a medida limita o livre exercício da atividade econômica e aumenta as chances de autuações relativas ao ICMS-Importação nas importações por conta própria e por conta e ordem, em que o importador ou adquirente esteja localizado em um estado, mas a mercadoria seja destinada a outro estabelecimento de sua titularidade, situado no estado do Rio de Janeiro.
Por fim, o Decreto 49.030/24 também viola a reserva de lei complementar prevista no art. 146, inciso III, alínea “a” da CF/88, já que pretende modificar a sujeição ativa do ICMS nas importações, extrapolando a natureza regulamentar de um decreto.
Mais uma vez, a discussão sobre sujeito ativo do ICMS-Importação deverá ser levada ao judiciário, abrindo um novo um capítulo da guerra dos portos.